Um Deus irritado, Um homem carinhoso

Um Deus irritado, Um homem carinhoso

POSTADO EM 14 de Setembro de 2016

Por Mons. Giovanni Barrese

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Um dos dramas vivido pelo povo de Israel foi o risco da idolatria. A história deste povo começa com o chamado a Abraão que vivia no reino da Babilônia, ao sul daquele que é o Iraque de hoje. A Babilônia tinha vida religiosa bem estruturada com vasto panteão de deuses e seres intermediários. Estes faziam a ligação dos deuses com os humanos. Quando Abraão deixa a sua terra para ver, em sua vida, o cumprimento da promessa feita por um Deus que ele desconhecia, mas começou a ouvir e seguir, ele vai tendo que purificar sua crença (dos muitos deuses para o Deus Único) e aprimorar o gestual do seu culto, do seu modo de se relacionar com Ele. O povo de que Abraão é patriarca vai crescendo em Isaac, Jacó e seus descendentes. Desde o início mantendo relacionamento com os povos que habitavam Canaã e outras regiões. Quando a seca e a fome levam o povo para o Egito, começa a convivência com a milenar cultura. As influências se fazem sentir. Quando, após quatro séculos, a escravidão era a realidade para um povo que tinha dado um vice-rei ao Faraó, Moisés leva os seus para a travessia do Mar Vermelho para a terra onde corria o leite e o mel. A travessia começa a custar. As dificuldades começam a se fazer presentes. Reclamações de todo tipo. Na lembrança dos deuses do Egito o povo decide fazer uma escultura: um bezerro com ouro doado por todos. Via nele uma imagem de um Deus que não sabia como era e que se manifestava no trovão, na nuvem, na comoção da natureza. E que habitava num lugar inatingível. Precisava de um deus próximo. O boi Apis, egípcio, se prestava a isso. Boi e vaca eram sinais da força de trabalho. Eram sinais da fecundidade dos rebanhos, da produtividade dos campos. Deles se aproveitava tudo para a vida: a carne, o couro (para fazer as barracas, para roupas e calçados), os chifres e ossos (para utensílios), o estrume para complementar a cobertura das barracas e para adubo. Segundo o relato do livro do Êxodo (32,7-11.13-14) quando Deus vê isso, reage assim, falado a Moisés: “Vai, desce, porque o teu povo, que fizeste subir da terra do Egito, perverteu-se. Depressa se desviou do caminho que eu lhes havia ordenado... é um povo de cabeça dura. Deixa-me... para que eu os consuma e farei de ti uma grande nação”. A atitude de Deus no texto sagrado é marcada pela reação humana: raiva diante da deslealdade. Moisés reage de forma, chamemos divina: suplica a favor do povo. E começa a afirmar para Deus: “Por que se acende a tua ira contra o teu povo que fizeste sair do Egito...? Lembra-te da promessa feita a Abarão, Isaac e Jacó...: multiplicarei a vossa descendência como as estrelas do céu... dá-la-ei a vossos filhos para que a possuam para sempre”. E o texto termina dizendo que Deus desistiu do mal que queria fazer a seu povo. Como se percebe o texto sagrado coloca em Deus um reagir humano e em Moisés um reagir divino, misericordioso. Dizem os estudiosos que o suplicar de Moisés era como uma carícia que a criança faz para acalmar o pai que está bravo. Vai acariciando o rosto até que o pai se acalme. Moises foi lembrando a Deus que o povo não era dele, Moisés, e que a iniciativa da libertação era dele, Deus. E que o povo era Dele. E que Ele não podia voltar atrás por conta da promessa feita aos patriarcas. E que iria ficar feio diante dos outros povos para quem Israel proclamava a sua situação de povo eleito. Percebemos neste texto a simplicidade da afirmação de que Deus não é insensível à suplica humana. E se o texto quase que o humaniza em suas reações é para que não o sintamos insensível às nossas dificuldades. No ensinamento que nos traz Jesus Cristo sabemos que podemos chamar a Deus de Pai e que ele não é feito à nossa imagem. As reações que são nossas, humanas, não são reações divinas. As reações de Deus são sempre marcadas pelo Amor, pela Misericórdia, pelo Perdão. Nós é que nos irritamos, nos encolerizamos, quando alguma coisa vai de um jeito que não gostamos. Sobra, para finalizar, uma espécie de proposta indecente que Deus faz a Moisés: “Deixa-me para que eu acenda contra eles a minha ira e eu os consuma; e farei de ti uma grande nação”. Moisés, sabedor do projeto e da promessa a favor do Povo, não se deixa levar pela ambição do poder. Sabe que sua missão não é a de ser dono do povo e sim seu condutor, debaixo do olhar de Deus. Uma boa lição para estes tempos eleitorais.

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