O ser humano "sapiens-demens'' e a experiência religiosa.

O ser humano "sapiens-demens'' e a experiência religiosa.

POSTADO EM 06 de Setembro de 2022


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O ser humano "sapiens-demens'' e a experiência religiosa.

 

Edgar Morin, filósofo judeu, nascido em 1921, conhecido por sua contribuição acerca da reflexão do conhecer do conhecimento. Na obra o “Método”, volume 5, (primeira edição de 2001) o filósofo apresenta seu pensamento sobre a identidade humana, em um trabalho dedicado à antropologia do conhecimento. Ele define o ser humano como “sapiens-demens”. Navega em dois polos, demonstrando que o lúdico-estético-poético são, posteriormente, elaborados sob formas de conhecimento como: a religião, a filosofia, e as artes, representando o lado “sapiens”. O lado “demens” representa o princípio do desejo acima da realidade, e neste sentido, mesmo sendo uma forma de conhecer favorece formas potenciais destrutivas e aos delírios. 

O “demens” no ser humano leva à barbárie, à loucura e ao delírio. O “sapiens” também tem seu limite, pois enfrenta o desafio de superar o desejo do “homo faber” e do “homo economicus”, isto é, o ser humano se vê diante do desafio de não deixar ser cooptado pelo “pensamento único” da cultura neoliberal que se impõe sobre todo o globo, reduzindo o ser humano à busca pelo bem-estar econômico apenas na condição de consumidor. O desejo de poder vinculado ao poderio bélico e econômico reforça a miserabilidade humana. Esta visão estrita de desenvolvimento humano desumaniza, pois retira a possibilidade da sapiência como forma de conhecimento e humanização.

Considerando o “sapiens” a partir da dimensão do lúdico-estético-poético, onde no entendimento de Morin (2001), encontra-se a forma de conhecimento religioso, reconhece-se que a experiência religiosa pode ser um modo de sabedoria diante da demência. Entretanto, ela também pode ser um modo de demência, caso a religião perca a sua dimensão estética, isto é, o sentido profundo da beleza, da mística, e da espiritualidade propriamente dita. 

O Papa Francisco na exortação apostólica pós-sinodal “Querida Amazônia” alerta sobre tomar cuidado para não deixar atrofiar a dimensão estética, isto é, a contemplação que nos faz ser capazes de maravilhar-nos diante da beleza da criação, e ainda mais, frente a toda pessoa que é “imago Dei”. A con-templ(a)-ação significa peregrinar com o templo, ou seja,  enquanto cristãos nós somos “templos do Espírito”, e portanto, habitados por Deus que é Amor. O Amor de Deus em nós deve levar-nos a contemplar o mundo, a criação, as relações humanas e sociais a partir dos laços que nos unem junto ao Pai fazendo acontecer entre nós a fraternidade enquanto convívio na amizade social. 

Em nós, os polos "sapiens-demens'' precisam ser trabalhados permanentemente. Que a nossa experiência religiosa seja fruto da contemplação olhando o mundo e toda criação a partir de dentro, da nossa interioridade, e da presença de Deus que nos habita fazendo enxergar tudo a partir da luz do Ressuscitado que tudo irradia. Contemplar todas as coisas como a maravilha de Deus é atitude própria de quem ama-O e deixe por Ele ser amado. O contrário da beleza não é a feiura, mas sim o uso inescrupuloso das coisas.

O “demens” promove a barbárie e dissimula a violência, e ainda o faz, justificando, com uma certa racionalidade que favorece a especulação e exploração e ainda usa os outros e, dependendo da instância de poder que se encontra, se acha no direito de decidir quem deve viver ou morrer. Estejamos atentos às nossas atitudes “demens” para que possamos a cada dia aprender mais a sabedoria em sentir e saborear a vida espiritual como espaço do encontro com Deus que se aproxima com compaixão e se revela enquanto Ternura. Em particular, deixemo-nos sentir abraçados por Ele em nossa vida comunitária, em especial, por meio dos sacramentos e em nossas liturgias, mas também indo ao seu encontro através dospobres e excluídos.

 

Pe. José Antonio Boareto

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