O ser humano uma criatura “absolutamente bela

O ser humano uma criatura “absolutamente bela

POSTADO EM 18 de Junho de 2022

O ser humano uma criatura “absolutamente bela”


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A narrativa dostoievskiana pode ser considerada uma filosofia religiosa “pessimista”, isto é, retira a ideia do homem heróico (natural) como aquele que vence batalhas homéricas, mas mostra que o homem mesmo sem conhecer totalmente a si mesmo ( a busca da auto-estima) vive a partir de sua realidade sobrenatural, ou seja, a partir de sua experiência transcendente, isto é, passa a vida sem saber quem exatamente é, sem essa preocupação com a cultura do autoconhecimento, e assim, de alguma forma sua essência permanece mistério para ele, o que não significa sem vida interior, pelo contrário, é só vida interior. Podemos verificar essa visão de ser humano na obra “O Idiota” de Dostoivéski no personagem do príncipe Michkin que é uma figura iluminada. O perfil do príncipe se aproxima do que os místicos ortodoxos chamam de “iluminado”. Ele consegue desagregar as pessoas interna e externamente. Michkin tem a capacidade de ser uma luz que brilha por contraste, pois cria, onde passa uma sombra ao seu redor. Todavia, essa luz não está exatamente nele, mas é sua forma estranha de se relacionar com o mundo que a produz. (PONDÉ, 2003)
A ideia de Dostoiévski, segundo Pondé, é que quando o sobrenatural se manifesta, ele desfaz o que é natural, ele desorganiza, e nossa ideia de organização é natural. Míchkin é um indivíduo tocado por Deus, e justamente por isso ele provoca essa desorganização no mundo, pois parece arrastar o sobrenatural com ele desmanchando o que é natural. (PONDÉ, 2003).
Ao apresentar o príncipe Míchkin como uma criatura “absolutamente bela”, segundo Elena Vassina, a intenção de Dostoiévski é mostrar que a beleza é crística, pois o príncipe é sinal do Belo que é Cristo. Ele mesmo explica isto no início da obra numa carta que escreve a sua sobrinha, Sofia Ivánova: “A ideia do romance é aquela minha velha e cara, mas a tal ponto difícil, que durante longo tempo não tive coragem de tocá-la... A ideia do romance é apresentar um homem absolutamente belo. No mundo não há nada mais difícil do que isso, especialmente agora. Todos os escritores, não somente os nossos, mas até os estrangeiros, que se propuseram a criar uma imagem absolutamente do absolutamente belo, sempre se deram por vencidos. Porque este objetivo é imenso. O belo é um ideal, mas o ideal, seja o nosso, seja o da Europa civilizada, ainda está longe de ser elaborado. No mundo há somente uma personalidade absolutamente bela: Cristo, e a existência dessa personalidade infinita e imensamente bela já é um milagre absoluto”. (JUNGES, 2016)
O Príncipe Míchkin é “essa criatura absolutamente bela” mergulhada no caos dominado pelo mundo do mal. Transborda do coração do Idiota amor e compaixão que são percebidos por todos, queiram eles ou não, em sua presença. Além de uma profunda compaixão, o Idiota tem uma profunda liberdade interior e apresenta-se como força irresistível para todos, revela a sede do ser humano pelo ideal:a beleza. Mas, ao mesmo tempo, quase todos que se aproximam do Príncipe o humilham, machucam e o fazem sofrer a todo tempo. (JUNGES, 2016)

E assim a mensagem da beleza que salva o mundo, pergunta feita por Ilpot ao príncipe Minsky na obra “Os irmãos Karamazóv”, está justamente em cada pessoa que busca não se alinhar ao mal, mas sabe que vive em meio ao caos, isto é, entre pessoas destrutivas e perversas, entretanto, movido pelo amor e compaixão e com liberdade interior que experimenta da contemplação do Belo que é Cristo vai-se tornando belo também. O contrário do belo não é o feio, mas o espírito utilitarista que usa os outros. Nós também, vivendo em meio ao mal, estejamos sempre inquietos buscando o Belo que transcende pelo deslumbramento da sua luz divina as trevas da materialidade humana. (JUNGES, 2016)
Pe. José Antonio Boareto
Referências bibliográficas
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. O idiota. Coleção Leste. São Paulo: 34, 2002. 683p. JUNGES, Márcia. A presença de Deus nas obras de Dostoiévski. Entrevista especial com Elena Vássina. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/550651-a-presenca-de-deus-nas-obras-de-do stoievski-entrevista-especial-com-elena-vassina . Acesso em: 11 de jun. 2022. PONDÉ, Luiz Felipe. Crítica e profecia. A filosofia da religião em Dostoiévski. São Paulo: 34, 2003. 288p.


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