Um pouco de água e um pouco de frutas silvestres

Um pouco de água e um pouco de frutas silvestres

POSTADO EM 30 de Setembro de 2019

Um pouco de água e um pouco de frutas silvestres


Image title



São Francisco de Assis estava banhando os leprosos e de repente foi surpreendido com alguém gritando: Francisco, Francisco, a capela! Ele então foi ver o que tinha acontecido e quando se aproximou viu que a capela de São Damião que havia reformado estava em chamas. Quando se aproxima ainda mais vê uma pessoa caída no chão.


Como sem entender o que estava havendo escuta-lhe dizerem: Os soldados do bispo queriam entrar na capela e ele tentou impedir, e o estrangularam. Francisco nesse momento se silencia. E depois de um tempo de meditação diz: Por quê? O que fiz de errado? Preciso saber? Se estiver fazendo algo errado preciso saber o que e somente uma pessoa pode me ajudar.


Francisco vai ao encontro do Papa Inocêncio III e estando diante dele lhe confessa algo muito simples e profundo. Diz Francisco: Eu tenho observado as cotovias e elas só precisam de um pouco de água e um pouco de frutas silvestres e aí elas voam para o céu e cantam, então, eu imaginei que também cada um de nós pudéssemos ser como uma cotovia, viver apenas com um pouco, somente o necessário, e assim seriamos livres como os pássaros e poderíamos viver para cantar ao Criador pelas maravilhas que criaste.


O Papa se emociona com as palavras de Francisco e reconhece que estava diante de alguém que foi escolhido por Deus para sentir sua presença por meio da Criação. Francisco era um homem terno e ao mesmo tempo cheio de vigor. Francisco continua ser inspiração para se viver o ideal cristão em sua radicalidade maior, isto é, na pobreza.


A pobreza cristã é liberdade e o povo sabe o que é isto. Em seu modo simples de viver, os pobres, ensinam os verdadeiros valores, e eles são apreendidos a partir da caridade que é a forma superior de justiça. Há um ditado popular que diz: “Um pouco com Deus é muito, muito sem Deus é nada” e isto é o que podemos aprender do povo sobre o que seja ser pobre à luz da fé.


Ensina São Paulo, que Jesus Cristo embora sendo rico se fez pobre por amor para nos enriquecer a todos. Ser pobre é ser humilde, simples e generoso. Um pouco com Deus é muito. A verdadeira liberdade consiste em não ser escravo dos bens e nem de coisa alguma. A pessoa só se realiza quando vive do pouco, mas com Deus e não tendo muito, mas sem Deus.


A felicidade é ter pouco e poder oferecer do pouco que tem a outro também. A liberdade é ter pouco e ser solidário com o outro que nada tem. Quem acumula para si não pensa no outro. Quem acredita que a vida é almejar os bens se torna escravo do que conquistou e então não tem liberdade para viver mais simples e a ansiedade o envolve, pois sua vida é viver para manter seus bens.


Francisco compreendeu que a vida é viver com pouco para poder voar e cantar. Ele entendeu que há mais alegria quando podemos compartilhar da própria pobreza, que há mais sabor no alimento que se partilha e que sentimos o quanto somos amados por Deus em nosso coração quando amamos aqueles que mais precisam.


Francisco entendeu que tudo que existe Deus criou com muito amor e carinho e conheceu a verdade da pessoa humana. Fomos criados para a comunhão com Deus e o próximo, nosso irmão e irmã, e Ele nos fez à sua imagem, vocacionados e vocacionadas para o cuidado. Ele quer que cada um de nós continue a cuidar da obra da Sua Criação.


Francisco de Assis se fez irmão universal e nos inspira a vivermos entre nós a fraternidade. Um mundo de irmãos e irmãs, onde não haja fome e miséria, onde haja pão na mesa de todos, não precisa ser muito pão não, mas o suficiente para cada um não ficar sem. E cuidar dessa Casa Comum, cuidar dessa Terra, do Jardim do Éden, deste Paraíso onde Ele nos colocou como responsáveis.


Nunca esqueçamos o pedido de Francisco ao Papa Inocêncio III: Viver como os pássaros, só com um pouco de água e um pouco de frutas silvestres para voar até o céu e cantar. É este “estilo de vida franciscano” que precisamos buscar como conversão em nosso dia hoje.


É esse estilo que quer Papa Francisco para a Igreja – uma igreja pobre para os pobres – conscientes de sua vocação à vida e a sua realização por meio da liberdade e da responsabilidade. Para isto é preciso reconhecer o quanto Deus Criador e Todo-Poderoso continua a conduzir a história e nós somos suas criaturas escolhidas para se tornarem “senhores da terra” para cuidar e guardar a criação.


Apesar de tantas incompreensões e mesmo más interpretações acerca do Sínodo da Amazônia que irá acontecer neste mês, a Igreja irá realizar este Sínodo em Roma, e lá estarão muitos delegados e delegadas junto com os bispos, presbíteros, clérigos e leigos e leigas que irão refletir acerca da presença da Igreja junto à Amazônia.


E por quê um Sínodo da Amazônia? Simplesmente para mostrar que a Igreja quer ter uma presença num estilo de vida “franciscano”. É responsabilidade de cada pessoa cuidar e guardar a Criação. Nosso estilo de vida consumista e que reduziu a noção de desenvolvimento e progresso numa perspectiva de desenvolvimento enquanto bem-estar econômico não garante a possibilidade de que todas as pessoas tenham sua dignidade humana salvaguardada e consequentemente o meio-ambiente.


São Francisco de Assis abraçou o Evangelho com a sua vida e também nós somos convidados a abraçar. Viver para Cristo traz implicações morais e isto significa viver a partir de princípios. Defender à vida desde a concepção até a morte natural é a atitude cristã mais originária, pois Cristo Vive e Ele veio para que todos tenham vida e vida em plenitude. Precisamos repensar nosso estilo de vida e se propor a uma conversão ecológica, isto é, viver um estilo de vida mais simples e em mais harmonia uns com os outros e a natureza.


Anunciar Jesus Cristo na Amazônia é defender a Vida que Ele mesmo anuncia com sua Ressurreição. Vida do bioma amazônico com sua beleza exuberante, seja em sua fauna, flora, rios, mares e oceanos, seja na riqueza dos seus povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos. A Igreja quer ser presença junto a Amazônia que merece ser respeitada e protegida diante da exploração irracional que não reconhece o direito de existir deste bioma com sua biodiversidade e sociodiversidade.


São Francisco de Assis foi um grande instrumento da Paz e ele dizia: Só pode ter a Paz quem acolheu a Paz. E para se ter Paz é preciso rezar, pedir a Paz, então, juntos peçamos ao Senhor que nos dê o dom da Paz que é Ele mesmo dentro do nosso coração para que possamos ser instrumentos da Paz.


É missão da Igreja, convidar toda pessoa para viver segundo a vontade de Deus, através do encontro com a Pessoa de Jesus Cristo, por isso, ela não pode se omitir diante dos homens e mulheres e por isso deve sempre apresentar novamente Jesus. E apresentar Jesus é apresentar a Paz.


As mudanças que esperamos ver, o fim da fome e da miséria, o fim da guerra, os mares e os oceanos e as faunas e floras sendo protegidos, as pessoas vivendo em harmonia, e se respeitando em suas diferenças acontecerá quando cada pessoa acolher em seu coração o dom da Paz, acolher o próprio Deus em sua vida e viver a partir do seu amor.


Quando houver amor no coração dos economistas, então a economia promoverá o trabalho humano, quando houver amor no coração dos políticos, então a política terá como finalidade o bem comum, quando houver amor no coração dos religiosos, então será respeitada a liberdade religiosa, quando houver amor no coração dos ricos, então eles serão generosos com os pobres, quando houver amor no coração dos pobres, então eles se apoiarão e se ajudarão, quando houver amor no coração das pessoas, então haverá respeito as suas diferenças e aí haverá uma civilização do amor.


Entretanto várias pessoas, entre elas, muitos cristãos e muitas cristãs, já agora estão cuidando da Casa Comum, pois estão se convertendo a um estilo de vida mais simples e solidária. E esta é a esperança que alimenta cada cristão e cristã que procura viver a cada dia promovendo a Paz que é fruto da justiça.


Onde há amor, aí se entende, que para viver bem é preciso de pouco e que o mais importante é viver unidos respeitando as diferenças. Onde há amor, aí se entende, que para ser feliz é necessário apenas um pouco de água e um pouco de frutas silvestres. Onde há amor se vive na certeza de que um pouco com Deus é muito e muito sem Deus é nada.




Pe. José Antonio Boareto







© Copyright 2024. Desenvolvido por Cúria Online do Brasil