Nada Melhor Nem Mais Doce

Nada Melhor Nem Mais Doce

POSTADO EM 02 de Abril de 2019

Nada melhor nem mais doce




Cícero político e filósofo em Roma (106 a.C – 43 a.C), entre tantos discursos, cartas e tratados, o escrito mais conhecido é o tratado “De amicitia” (44 a.C) que é sobre a amizade.


Para ele os deuses não fizeram nada melhor nem mais doce que a amizade. Semelhante afirmação encontra-se em outros pensadores e também nas mais diversas culturas.


A Sagrada Escritura também considera que quem encontrou um amigo encontrou um tesouro. Nesses versículos lemos “Nada é comparável a um amigo fiel, o ouro e a prata não merecem ser postos em paralelo com a sinceridade de sua fé. Um amigo fiel é um remédio de vida e imortalidade. Quem teme ao Senhor terá também uma excelente amizade, pois seu amigo lhe será semelhante”. (Cf. Eclo 6, 14-17).


No Evangelho de São João lemos: “Já não vos chamo de servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor, mas vos chamo de amigos, pois tudo o que ouvi do meu Pai eu compartilhei”. (Jo 15,15). Antes no versículo 13 do mesmo capítulo lemos ainda: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos amigos”. (Jo 15,13).


Para Segundo Galileia o Cristianismo é uma forma de amizade, pois a relação do discípulo com o Mestre vai se tornando cada vez mais íntima, isto é, um crescente em prol da libertação. Neste sentido, o desenvolvimento do discipulado leva à amizade com o Senhor. Diz Segundo Galileia: “O cristão comprometido com a libertação vai se tornando um contemplativo na medida em que capta o que Deus quer para o outro, e faz disso a razão decisiva de seu compromisso. Na medida que se faz manter a universalidade do amor, sem renunciar à sua preferência pelos oprimidos”.


E para Santa Teresa de Ávila a oração é cultivar amizade com Jesus, pois como ainda ensina o filósofo Cícero a respeito da amizade: “Existirá algo mais agradável do que ter alguém com quem falar de tudo como se estivéssemos falando conosco mesmos?”


Podemos ainda falar de Charles de Foucauld que sua amizade com Jesus é vivida como loucura. Ele era um louco apaixonado por Jesus e ele nos ensina o valor da intimidade de uma amizade: “Te quero, te adoro, quero oferecer tudo por ti, como me amas, como te amo, te dou graças, coloco-me em suas mãos, faz de mim o que desejares, te louvo, meu Bem-amado...”.


Não seria errado afirmar que não há nada melhor e mais doce que a amizade. E aqui é que reconheço a necessidade de uma reflexão acerca dela.


Observamos o quanto estamos vivendo numa areia movediça, como ensina Zygmunt Bauman e não escapamos de uma “viragem epocal” como reconhece o Papa Emérito Bento XVI. Falta solidez e não estamos vivendo somente uma mudança de geração, mas sim os valores que condicionaram uma época estão em mudança.


É preciso construir novos sólidos diante da liquidez e é preciso reconhecer a importância que o Cristianismo pode oferecer na elaboração desta nova fundação. Uma casa não para em pé sem alicerce firme.


Uma cultura de morte que é fruto de um vazio existencial tem crescido entre nós e feito vítima os adolescentes e jovens. O suicídio entre crianças de 10 a 14 anos cresceu mais de 65% entre 2000 e 2015 no Brasil segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde). Cientistas descobriram que o cérebro infantojuvenil ainda não está preparado para lidar com a complexidade das emoções é o que se lê em artigo da BBC Brasil de 13/05/2018.


Importante reconhecer que há uma relação em torno da complexidade das emoções. De fato o ser humano, sobretudo no Ocidente, é compreendido numa perspectiva maquinal, isto é, a idéia de que a razão tem que estar para a produção e utilidade. Afirma-se ainda que com o advento da Revolução Industrial a condição humana foi reduzida ao operariado.


Dessa forma, sendo a pessoa considerada apenas corpo e ainda máquina, esvai-se por completo a dimensão de sua interioridade, isto é, suas emoções e sentimentos, onde também pode encontrar a alma e sua dimensão espiritual.


Essa falta de integração entre corpo e alma se faz sentir num comportamento que se revela numa perspectiva como observamos hoje de um reducionismo da noção de felicidade posta no consumismo. Vive-se para trabalhar e não se reconhece a necessidade de refletir acerca da própria vida.


Junto a esta cultura consumista que se demonstra neste aspecto de uma vida que se vive como trabalho e onde o lazer assume apenas a sensação de desligar a máquina, isto quando é possível, pois agora com os celulares smartphones e ipod eles já assumem como uma dimensão maquínica em nós que estamos arriscando chamar de “humana” ou como tem refletido a bioética a respeito: pós-humana.


Diante desta nova condição humana, que lugar há para sua interioridade? Curioso, reconhecer que as doenças do nosso tempo levem o nome “psicossomáticas”, ou seja, doença da alma e do corpo. São emoções que não receberam atenção nem afeto e que somatizam no corpo em áreas de maior fragilidade.


Essa realidade da falta de cuidado com a interioridade é tão presente que podemos acompanhar o surgimento de inúmeros livros de auto-ajuda como também livros para colorir que querem justamente favorecer a prática de expressar os sentimentos.


Diante da situação de vazio que mergulha a humanidade movida pela desesperança concreta que se reconhece a cada dia em sua atitude de favorecer uma espiral de violência é que vejo a necessidade de se ter fé, esperança e acima de tudo caridade.


Há um crescente de indiferença entre nós e em relação aos outros, e se esses outros são os pobres, uma indiferença ainda maior. A via da caridade continua sendo o caminho superior para uma vida verdadeiramente autêntica.


Quando o Papa Emérito Bento XVI em sua encíclica “Deus caritas est” escreveu acerca do amor ele retomou as formas clássicas do amor como refletido pelos gregos. Embora possamos distingui-los enquanto sua especificidade e grandeza não devemos depreciar nenhum deles pois ambos são formas de se viver o amor e sim podemos afirmar a caridade é o amor em sua forma pura revelado plenamente em Jesus Cristo e manifestado em seu amor salvífico.


Eros, Philia e Agapé são as formas do amor. Eros é a paixão, a pulsão de viver que se orientada para o bem é virtude, assim ensina Aristóteles. Precisamos acender em nós o fogo do amor. Precisamos ser apaixonados por Cristo, pelo próximo e pela Vida. Não se vive sem paixão.


Quem encontrou um amigo, encontrou Deus no seu amigo. A amizade (Philia) é esse espaço onde se pode encontrar um alicerce para fundamentar e ou mesmo redescobrir um sentido para o viver. Numa amizade verdadeira o bem do outro é desejo de realização do próprio amor da amizade.


As pessoas não estão sabendo o que é melhor nem o que seja pior, e muito menos o que é doce ou amargo em suas vidas. A indiferença nos faz não ser capazes de reconhecer os valores e corre-se o risco de cair no nivelamento dos valores e consequentemente na banalização.


Uma amizade pode ser neste tempo de vazio e indiferença um alicerce ou fundamento que traz valores que foram consolidados pelo tempo e testados na história foram comprovados como eficazes para se viver.


O Cristianismo pode oferecer mais que valores, mas o próprio Cristo as pessoas que podem encontrar Nele o sentido de suas vidas e consequentemente experimentando em si o seu Amor (Agapé) também manifestá-lo aos outros.


Não há nada melhor nem mais doce que a amizade. Diante da necessidade de experimentar afeto e também afetar, de sentir-se amado e amar, de querer o bem e empenhar a vida neste sentido, nenhum outro lugar é melhor para isto ocorrer que a amizade.


A amizade é feita de ternura mas também firmeza. Um amigo verdadeiro te corrige quando for necessário. É ainda o espaço para o perdão. A amizade é um bálsamo para a vida em tempos de cansaço e esforço sem medidas.


Encontrar Deus no seu amigo como ensina Santo Agostinho é reconhecer que o amigo é aquele que te leva sempre para o Bem que é Deus. Nunca te deseja mal e ainda a amizade é um lugar para saborear a bondade divina, pois não há lugar para o mal que é privação de bem.


Cultive poucas e boas amizades. Que você possa saborear o que Deus preparou para nossas vidas como antecipação do que será o céu. Como canta Renato Teixeira: “A amizade sincera é um santo remédio, um abrigo seguro, é natural da amizade, o abraço, o aperto de mão, o sorriso”.


Em tempo onde as pessoas estão esquecendo o que seja viver a vida verdadeiramente, isto é, como um verdadeiro bem, compreendamos que não há nada melhor na vida do que um amigo. Um amigo mesmo que distante é sempre uma presença constante e que sua casa, seu coração é sempre um lugar aonde o outro pode chegar.


E que possamos cultivar nossa amizade com Jesus cada vez mais através da adoração onde manifestamos nossa atitude de demonstrar nosso amor por Ele e façamos silêncio para deixar o coração ouvir Sua voz e saborearmos em nossa vida o amor dessa amizade e simplesmente reconheçamos que não há nada melhor e nem mais doce que provar o quão suave é o Senhor.


Pe. José Antonio Boareto








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