Amor e temor a Deus! É dizer pouco?
Amor e temor a Deus! É dizer pouco?
Santa Teresa de Ávila (1515-1582) diz: “Amor e temor a Deus! É dizer pouco? São dois castelos fortes a partir dos quais se faz guerra ao mundo e aos demônios”. Apesar desta mulher santa e doutora da Igreja ser do período medieval o seu ensinamento continua atual. A sociedade contemporânea difere-se em muito do contexto de Teresa, mas não há dúvida que nosso tempo necessita redescobrir uma experiência de Deus numa vida orante que seja expressão de uma amizade com o Senhor.
A oração para Santa Teresa de Jesus é um diálogo amoroso com o Senhor em modo de amizade. Para ela, a oração mental é a que permite esta vivência, pois a oração é colocar-se diante do Senhor com humildade e confiança. Diz: “(...) não é outra coisa a oração mental, ao meu ver, se não um trato de amizade, estando muitas vezes tratando a sós com quem sabemos que nos ama”. (Livro da vida, cap. 8, 4-5).
E quem ama teme, segundo Santa Teresa, esse aviso é de Cristo que convida-nos a caminhar com amor e temor. Diz: “E eu os asseguro: o amor os fará apressar os passos; o temor os fará ir olhando para onde põe os pés para não cair”. As pessoas nesta sociedade marcada por uma globalização da indiferença são vítimas deste sistema econômico que exclui, degrada e mata e que infelizmente produz a morte ao invés da vida. Ao triunfar a egolatria expresso num individualismo exacerbado, e na consequente sociedade de consumo e do lucro acima de tudo, o coração afasta-se de Deus, e consequentemente do seu semelhante, o qual é a própria “imagem de Deus”.
Faz-se necessário compreender o significado de amar e temer nas palavras de Santa Teresa de Jesus: “Quem deveras ama a Deus, todo o bem ama, todo o bem quer, todo o bem favorece, todo o bem louva, com os bons se junta, sempre os defende, todas as virtudes abraça; não ama o que não é a verdade e o que não seja digno de amar” (Caminho de perfeição, cap. 69, 1-3). Há uma outra frase de Santa Teresa que nos ajuda a entender esta afirmação: “O Senhor nos ama mais do que nós mesmos nos amamos”. Duas atitudes decorrem da experiência de amar e temer ao Senhor: Não falar mal de ninguém e ser humilde que é andar na Verdade.
Diz Santa Teresa de Ávila: “Não falar mal de ninguém, por menor que seja…não querer e nem dizer de outra pessoa o que não quero que digam sobre mim”. (Livro da vida, cap. 6,3). Quem ama a Deus, todo o bem ama, todo o bem quer, todo o bem favorece, isto é, quem ama não fala mal de outro que é seu semelhante. Nossa sociedade não só fala mal, como faz o mal usando da violência contra os pobres e excluídos, muitas vezes, instrumentalizando a religião, e em nome de Deus aterroriza.
Em nome de Deus alguns grupos promovem a segregação racial e em nome da Verdade transformam o outro em inimigo a ser eliminado. Neste fundamentalismo religioso não há lugar para o diálogo amoroso com Deus muito menos com o outro, não há espaço para o amor que ama todo bem, muito menos, compromisso com o bem comum. Santa Teresa de Ávila oferece um grande aprendizado para estes tempos de pós-verdade ou ao mesmo tempo da verdade de poucos que se pretende impor a todos por força e mentira promovida pelas fakes news. A doutora da Igreja ensina: “(...) porque razão Nosso Senhor é tão amigo da humildade… Porque Deus é suma Verdade, e a humildade é andar na verdade”.
Neste tempo tão propício à espera do Senhor que vem, busquemos tratar de amizade com Ele, procurando ser tão amigos Dele na humildade e assim andar na verdade. Neste caminhar feito de amor e temor possamos crescer no esvaziamento das criaturas deixando ser saciados por Deus mesmo e assim fazer comunidade, pois quem ama não fica sozinho. E neste caminhar vamos buscando a perfeição tão desejada por Teresa de Jesus expressa em sua célebre oração: “Sólo Dios basta!” E esta liberdade de viver totalmente entregue para o Senhor é o caminho que faz a pessoa que busca amá-Lo e temê-Lo de verdade na humildade.
Estamos indo para um caminho sem volta, a humanidade está ferida, estamos vivendo uma terceira guerra mundial, nossos mares estão contaminados, as florestas sendo destruídas, uma massa de famintos vivendo em condições de extrema miséria e pobreza migram em busca de refúgio buscando proteção e acolhida em outros países. A cegueira moral produz uma cultura da morte que é fruto do egoísmo que se faz sentir nas relações interpessoais como também nas grandes estruturas da sociedade, sobretudo, em suas instituições.
E diante desta realidade, uma mulher santa e medieval fala conosco hoje dizendo: “Não há nada mais útil e agradável a Deus do que esquecermo-nos de nós mesmos, dos nossos interesses, das nossas satisfações pessoais, para ocuparmo-nos da sua honra e da sua glória”. O caminho da paz que nosso mundo necessita encontra-se numa vida orante saboreada como uma verdadeira amizade com o Senhor que nos faça viver mais desapegados das coisas. Uma realidade de amor e humildade que deve perpassar as relações humanas e sociais abrindo possibilidades de se viver com um bem estar modesto que permita a todos e todas viverem nesta Casa Comum numa nova cultura econômica, onde com um estilo de vida mais sóbrio, continuaremos a existir.
Pe. José Antonio Boareto