Nota Pública da Pastoral Carcerária de São Paulo sobre a atual situação das/os pacientes do HCTP de Franco da Rocha

Nota Pública da Pastoral Carcerária de São Paulo sobre a atual situação das/os pacientes do HCTP de Franco da Rocha

POSTADO EM 04 de Abril de 2016

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“Entendemos (…) que a verdadeira promoção humana

não pode reduzir-se a aspectos particulares:
‘Deve ser integral, isto é, promover todas as pessoas
e a pessoa toda’.”
(CELAM, Documento de Aparecida, 399)

Em 11 de março de 2016, em decorrência de fortes chuvas, boa parte do município de Franco da Rocha ficou submersa. Moradores ficaram desabrigados, serviços públicos foram paralisados e houve até uma vítima fatal. Devido ao elevado volume de precipitação na represa Paiva Castro, localizada na cidade vizinha de Mairiporã, e para não comprometer a estrutura da barragem – argumento sempre repetido por autoridades governamentais – o Poder Público optou por abrir as comportas de tal represa, fazendo com que a água escoasse para cidades vizinhas como Franco da Rocha, a qual já sofreu com graves enchentes como, por exemplo, em 1987 e 2011.

Entre as vítimas desse lastimável acontecimento encontram-se pacientes – cerca de 450 homens e 90 mulheres – do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico “Professor André Teixeira Lima” (HCTP I), cujas dependências foram parcialmente destruídas. Trata-se de população em medida de segurança, ou seja, pessoas que no decorrer do processo penal foram diagnosticadas com supostos transtornos mentais o que, em tese, os impossibilita de ter plena consciência de seus atos e por isso não são apenados, mas recebem medida de segurança em meio fechado. Sujeitos cuja heterogeneidade engloba desde usuários de drogas, em especial consumidores de crack, que cometeram pequenos furtos, até pacientes com graves transtornos mentais, estes últimos submetidos a longos e penosos períodos de institucionalização.

Ressalta-se que esta é a terceira ocasião em que tais pacientes sofrem com as enchentes de Franco da Rocha, sendo que no ano de 2011 – vale lembrar – houve uma vítima fatal entre os pacientes. Mesmo assim, diante do risco iminente de novos alagamentos, o Governo do Estado de São Paulo e a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) insistem em alocar essa população, bem como os próprios agentes institucionais desses hospitais, em áreas de risco, evidenciando os territórios que são destinados àqueles considerados indesejáveis. No presente momento, a situação de tais pacientes é extremamente precária. Os homens transferidos – cerca de 450 – encontram-se na Penitenciária III de Franco da Rocha e no CDP III de Pinheiros, ao passo que 90 mulheres permanecem no Centro de Detenção Provisória Feminino, também localizado em Franco da Rocha.

Vale salientar que a transferência desses pacientes para unidades prisionais comuns é preocupante. Em primeiro lugar porque essas prisões, já superlotadas, e sem as mínimas condições de existência – seja em decorrência da alimentação precária, das péssimas condições estruturais ou mesmo da precariedade dos atendimentos jurídicos e médicos – ao receberem um contingente populacional extra, tornaram-se, tanto para presos quanto para os próprios funcionários, ainda mais insalubres.

Em segundo lugar porque essas unidades não possuem condições estruturais adequadas para receber tais pacientes. Não é de se estranhar os inúmeros relatos de pessoas que, por conta dos efeitos desencadeados pela medicação psicotrópica, não conseguem subir nos beliches ou mesmo caem dos andares superiores, o que tem provocado ferimentos. Soma-se a isso o fato de que os funcionários de tais hospitais também foram deslocados, permanecendo em espaços institucionais nos quais não há condições de trabalho. Por fim, nota-se que alguns pacientes, transferidos da Penitenciária III de Franco da Rocha e alocados no Centro de Detenção Provisória III de Pinheiros permanecem em celas de castigo – escuras, com pouca ventilação e com tempo de banho de sol incompatível com o mínimo recomendado e digno, o que configura evidente arbitrariedade institucional.

Diante dessa grave situação, que evidencia o descaso do Poder Público com um enorme contingente populacional sob sua responsabilidade – seja porque o mantém em áreas de risco, seja porque “transforma pacientes em detentos” ou mesmo porque confina essa população em condições precárias – mas também a indiferença do Poder Judiciário que, até o momento, não tomou as providências cabíveis, a Pastoral Carcerária do Estado de São Paulo e da Arquidiocese de São Paulo manifestam repúdio à forma desumana com que o Governo do Estado e a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) vêm conduzindo tal situação, principalmente em relação aos pacientes, mas também no que concerne aos funcionários do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico I.

Tendo em vista essa conjuntura, caracterizada pela completa indefinição, haja vista que pacientes e funcionários desconhecem, até o presente momento, as medidas que serão tomadas pelo Governo do Estado, destaca-se que a saída para o impasse não se encontra nem na manutenção desses pacientes em presídios comuns, nem na realocação dessa população em locais improvisados, e muito menos no retorno ao HCTP, completamente deteriorado após a enchente. Nesse sentido, a Pastoral Carcerária argumenta e defende que tais pacientes – em alternativa ao confinamento, às condições insalubres e à arbitrariedade institucional – devem ser atendidos em meio aberto, pelos múltiplos equipamentos já destinados a essa finalidade, entre os quais: os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), conforme preconiza a Lei 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica).

Ressalta-se, ainda, que o HCTP de Franco da Rocha não apresenta a menor condição de continuar em atividade. Esta unidade está localizada em uma área propícia à alagamentos e comprometida em relação à questão sanitária. Lembramos, amparados, entre outros, na Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016, que o saneamento básico – considerado em toda a sua amplitude – é um direito humano, e que a referida unidade de Franco da Rocha não mais tem condições de oferecer. Faz-se necessária, portanto, a sua interdição.

Enfim, em detrimento de implementar políticas para a redução da população prisional paulista, que há pelos menos duas décadas não para de crescer, o Governo do Estado superlota suas prisões – verdadeiras máquinas de tortura, é bom que se diga – com pacientes que deveriam ser atendidos, em sua grande maioria, em meio aberto. Ao contrário dessa postura, a Pastoral Carcerária tem como perspectiva um mundo sem cárceres, sem dúvida, mas também um mundo sem manicômios judiciários.

Pastoral Carcerária do Estado de São Paulo
Regional Sul 1 – CNBB

Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo

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