PATRIS CORDE: Com Coração de Pai

PATRIS CORDE: Com Coração de Pai

POSTADO EM 26 de Janeiro de 2021

Patris Corde: Com coração de pai.



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            A nova carta apostólica Patris Corde por ocasião da 150ª declaração de São José como padroeiro universal da Igreja do Papa Francisco reflete sobre o significado da paternidade. Em sete capítulos ele apresenta características de São José, cuja paternidade demonstra-se como “sombra do Pai”.

            No primeiro capítulo intitulado “Pai amado'' mostra que a confiança do povo em São José está contida na expressão “ite ad Joseph” que faz referência a José, filho de Jacó que foi vendido, vítima da inveja dos seus irmãos. (Cf. Gn 37, 11-28). Ele se tornou vice-rei do Egito (Cf. 41, 41-44) e devido ao seu dom de interpretar os sonhos, o Faraó concedeu a ele a responsabilidade por administrar o Egito no período da seca. A expressão “Ide ter com José” (Cf. Gn 41,55) depois será feita a São José, pois também é descendente de Davi. (Cf. Mt 1, 16.20) e torna-se aquele pelo qual se realiza a vontade de Deus.

            No segundo capítulo intitulado “Pai na ternura'' afirma que José viu Jesus crescer em sabedoria e graça diante de Deus e dos homens. (Cf. Lc 2, 52). E como o Senhor fez com Israel, que ensinou a caminhar segurando-O pela mão, assim fez com Jesus.(Cf. Os 11, 3-4). Jesus viu a ternura de Deus em José. Com José podemos aprender a experimentar o modo como o Pai olha a cada um de nós, isto é, com os olhos do coração. Um pai que se compadecia do filho, como o próprio Senhor compadece de nós (Cf. Sl 103,13). José ouvia na sinagoga que Deus é Ternura (Cf. Sl 145, 9). Deus não conta só com nossa parte boa, mas na verdade, a maior parte dos desígnios se cumpre através e apesar da nossa fraqueza. (Cf. 2 Cor, 7-9). O Maligno faz-nos olhar para a nossa fragilidade com um juízo negativo, ao passo que o Espírito traz à luz com ternura. (Cf. Ap 12, 10). José sabe que Deus é Pai misericordioso (Cf. Lc 15, 11-32).

            No terceiro capítulo intitulado “Pai na obediência” ensina que assim como Deus fez com Maria, também revelou a José os seus desígnios por meio dos sonhos por onde manifestou sua vontade. José sente uma angústia imensa com a gravidez incompreensível de Maria, mas não quis difamá-la e depois por meio dos sonhos irá compreender a vontade de Deus para sua vida diante dos acontecimentos. José sente uma angústia imensa com a gravidez incompreensível de Maria: mas não quer difamá-la e decide deixá-la secretamente (Cf. Mt 1,19). No primeiro sonho, o anjo ajuda-o a resolver o seu grave dilema: “Não temas receber Maria, tua esposa, pois o que Ela concebeu é obra do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados”. (Cf. Mt 1, 20-21). José, fez como lhe ordenou o anjo e com a obediência, superou o seu dilema e salvou Maria. (Cf. Mt 1, 24). No segundo sonho, o anjo dá esta ordem a José: “Levanta-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito e fica lá até que eu te avise, pois Herodes procurará o menino para o matar”. (Cf. Mt 2,13). José não hesitou em obedecer, sem se questionar sobre as dificuldades que encontraria: “E ele levantou de noite, tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egito, permanecendo ali até a morte de Herodes”. (Mt 2,14-15).Com confiança e paciência, José esperou do anjo o aviso prometido para voltar ao seu país. Num terceiro sonho foi avisado que tinham morrido aqueles que procuravam matar o menino - lhe ordenara que se levante, tome consigo o menino e sua mãe e regresse à terra de israel (cf. Mt 2, 19-20). De novo obedece sem hesitar: “Levantando-se, ele tomou o menino e sua mãe e voltou para a terra de Israel” (Cf. Mt 2,21). Voltando para sua terra, “tendo ouvido dizer que Arquelau reinava na Judéia, em lugar de Herodes, seu pai, teve medo de ir para lá. Então advertido em sonhos - e é a quarta vez que acontece - retirou-se para a região da Galiléia e foi morar numa cidade chamada Nazaré”. (Cf. Mt 2,22-23). Os pais de Jesus observavam todas as prescrições da Lei: os ritos da circuncisão de Jesus; da purificação de Maria, depois do parto, da oferta do primogênito a Deus. (Cf. Lc 2, 21-24). Na função de chefe de família, José ensinou Jesus a ser submisso aos pais (Cf. Lc 2, 5). Na escola de José, Ele aprendeu a fazer a vontade do Pai. Tal vontade torna-se o seu alimento diário (Cf. Jo 4, 34). No momento mais difícil da sua vida, vivido no Getsêmani, preferiu que se cumprisse a vontade do Pai, e não a sua, fazendo-se “obediente até a morte de cruz” (Cf. Flp 2, 8). Jesus “aprendeu por aquilo que sofreu” (Cf. Hb 5,8).

            No quarto capítulo intitulado “Pai no acolhimento” procura demonstrar como José acolhe Maria, sem colocar condições prévias. Ele confia nas palavras do anjo. Ele subordina à caridade aquilo que aprendeu com a lei; e hoje, neste mundo onde é patente a violência psicológica, verbal e física contra a mulher, José apresenta-se como figura de homem respeitoso, delicado que, mesmo não dispondo de todas as informações, se decide pela honra, dignidade e vida de Maria. E, na sua dúvida sobre o melhor a fazer, Deus ajudou-o a escolher iluminando o seu discernimento. A vida espiritual de José nos mostra que não é um caminho que explica, mas um caminho que acolhe. Só a partir do acolhimento, desta reconciliação, é possível intuir também uma história mais excelsa, um significado mais profundo. Jó, quando desafiado pela esposa a rebelar-se contra todo o mal que lhe está a acontecer, responde “Se recebemos os bens das mãos de Deus, não aceitaremos também os males?” (Cf. Jó 2, 10). O acolhimento é um modo pelo qual se manifesta, na nossa vida, o dom da fortaleza que nos vem do Espírito Santo. O que Deus disse ao nosso Santo - “José, Filho de Davi, não temas” (Cf. Mt 1, 20) também parece dizer a nós: “Não tenhais medo”. É necessário deixar de lado a ira e a desilusão para - movidos não por qualquer resignação mundana, mas com uma fortaleza cheia de esperança - dar lugar àquilo que não escolhemos e, todavia, existe. Não importa se tudo parece ter tomado já uma direção errada, e se algumas já são irreversíveis. Deus pode fazer brotar flores no meio das rochas. E mesmo que o nosso coração nos censure de qualquer coisa, Ele “é maior que o nosso coração e conhece tudo” (Cf. 1 Jo 3, 20). A realidade, na sua misteriosa persistência e complexidade, é portadora dum sentido de existência com as suas luzes e sombras. É isto que leva o apóstolo Paulo a dizer: “Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus” (Cf. Rm 8, 28). E Santo Agostinho acrescenta: tudo, “incluindo aquilo que é chamado mal”. Assim, a fé dá significado a todos os acontecimentos, sejam eles felizes ou tristes. Crer não significa encontrar fáceis soluções consoladoras, antes, pelo contrário, a fé que Cristo nos ensinou é a que vemos em São José, que não procura atalhos, mas enfrenta de olhos abertos aquilo que acontece, assumindo pessoalmente a responsabilidade por isso. O acolhimento de José convida-nos a receber os outros, sem exclusões, tal como são, reservando uma predileção especial pelos mais frágeis, porque Deus escolheu o que é frágil (Cf. 1 Cor 1, 27), é “pai dos órfãos e defensor das viúvas” (Sl 68, 6) e manda amar o forasteiro.

            No quinto capítulo intitulado “Pai com coragem” criativa afirma que a primeira etapa de toda verdadeira cura interior é acolher a própria história, ou seja, dar espaço no nosso íntimo até mesmo àquilo que não escolhemos na nossa vida, convém acrescentar outra característica importante: a coragem criativa. Esta vem sobretudo quando se encontram as dificuldades. Com uma dificuldade, pode abandonar o campo, ou tentar vencê-la de algum modo. Às vezes são as dificuldades que fazem sair de cada um de nós recursos que nem pensávamos ter. Deus não intervém de forma direta e clara, mas por meio de acontecimentos e pessoas: José é o homem por meio de quem Deus cuida dos primórdios da história da redenção; é o verdadeiro “milagre” pelo qual Deus salva o Menino e sua mãe. O céu intervém, confiando na coragem criativa deste homem que, tendo chegado a Belém e não encontrando alojamento onde Maria possa dar à luz, arranja um estábulo e prepara-o de modo a tornar-se o lugar mais acolhedor possível para o Filho de Deus, que vem ao mundo. (Cf. Lc 2, 6-7). Avisado de sonhos, José é alertado para defender o Menino e, no coração da noite, organiza a fuga para o Egito. (Cf. Mt 2, 13-14). Em meio a arrogância e a violência dos dominadores terrenos, Deus encontra sempre a forma de realizar o seu plano de salvação. Assim também nós, quando nossa vida parece à mercê dos poderes fortes, mas o Evangelho nos diz que Deus consegue sempre salvar aquilo que conta, desde que usemos a mesma coragem criativa do carpinteiro de Nazaré, o qual sabe transformar um problema numa oportunidade, antepondo sempre sua confiança na Providência. No fim de cada acontecimento que tem José como protagonista, o Evangelho observa que ele se levanta, toma consigo o Menino e sua mãe e faz o que Deus lhe ordenou (Cf. Mt 1, 24; 2, 14. 21). José não só é o que salva o Menino mas o que vai garantir-lhe o sustento e a vida. Por isso ele é o patrono da Igreja, pois viveu para proteger e garantir a dignidade de Maria e do seu Filho. Por isso, hoje devemos recorrer a São José para que interceda por todo o Povo de Deus.

            No sexto capítulo intitulado “Pai trabalhador” mostra como São José era um carpinteiro que trabalhou honestamente para garantir o sustento de sua família. Com ele, Jesus aprendeu o valor, a dignidade e a alegria do que significa comer o pão fruto do próprio trabalho. Em tempos de emergência de desemprego, faz-se necessário retomar a consciência do significado do trabalho que dignifica e do qual nosso Santo é patrono é exemplo.O trabalho de São José lembra-nos que o próprio Deus feito homem não desdenhou o trabalho. A perda de trabalho que afeta tantos irmãos e irmãs e tem aumentado nos últimos meses devido à pandemia de Covid-19, deve ser um apelo a revermos nossas prioridades. Peçamos a São José Operário que encontremos vias onde nos possamos comprometer até se dizer: nenhum jovem, nenhuma pessoa, nenhuma família sem trabalho!

            No sétimo capítulo intitulado “Pai na sombra” faz alusão ao romance do escritor polaco Jan Dobraczynsky, no seu livro “A sombra do Pai”,o qual narrou a vida de São José. Com a sugestiva imagem da sombra, apresenta a figura de José, que é, para Jesus, a sombra na terra do Pai celeste: guarda-O, protege-O, segue os seus passos sem nunca se afastar d’Ele. A atitude de José lembra o que Moisés dizia a Israel: “Neste deserto (...) vistes o Senhor, vosso Deus, conduzir-vos como um pai conduz o seu filho, durante toda a caminhada que fizeste até chegar a este lugar” (Cf. Dt 1, 31). Não se nasce pai, torna-se tal, e não se torna pai, apenas porque se colocou no mundo um filho, porque se cuida responsavelmente dele. Sempre que alguém assume a responsabilidade pela vida de outrem, em certo sentido exercita a paternidade a seu respeito. Na sociedade atual, muitas vezes os filhos parecem ser órfãos de pai. A própria Igreja de hoje precisa de pais. Continua atual a advertência dirigida por São Paulo aos Coríntios: “Ainda que tivésseis dez mil pedagogos em Cristo, não teríeis muitos pais” (1 Cor 4, 15). Cada sacerdote ou bispo deveria acrescentar como o Apóstolo: “Fui eu que vos gerei em Cristo Jesus, pelo Evangelho” (Cf. 1 Cor 4, 15). E aos Gálatas: “Meus filhos, por quem sinto outra vez dores de parto, até que Cristo se forme entre vós!”. (Gl 4, 19). São José é “castíssimo”. Não se trata de uma indicação meramente afetiva que exprime o contrário da posse. A castidade é a liberdade da posse em todos os campos da vida. Um amor só é verdadeiramente tal, quando é casto. A lógica do amor é sempre uma lógica de liberdade, e José soube amar de maneira extraordinariamente livre. Nunca se colocou a si mesmo no centro; soube descentralizar-se, colocar Maria e Jesus no centro da sua vida. A felicidade de José não se situa na lógica do sacrifício de si mesmo, mas na lógica do dom de si mesmo. Naquele homem, nunca se nota frustração, mas apenas confiança. O seu silêncio persistente não inclui lamentações, mas sempre gestos de confiança. O mundo precisa de pais, rejeita os dominadores, isto é, rejeita quem quer usar a posse do outro para preencher o seu próprio vazio; rejeita aqueles que confundem autoridade com autoritarismo, serviço com servilismo, confronto com opressão, caridade com assistencialismo, força com destruição. Toda a verdadeira vocação nasce do dom de si mesmo, que é a maturação do simples sacrifício. Um pai sente que completou a sua ação educativa e viveu plenamente a paternidade, apenas quando se tornou “inútil”, quando vê que o filho se torna autônomo e caminha sozinho pelas sendas da vida, quando se coloca na situação de José, que sempre soube que aquele Menino não era seu: fora simplesmente confiado aos seus cuidados. (Cf. Mt 23, 9). Todas as vezes que nos encontramos na condição de exercitar a paternidade, devemos lembrar-nos que nunca é exercício de posse, mas “sinal” que remete para uma paternidade mais alta. Em certo sentido, estamos sempre todos na condição de José: sombra do único Pai celeste, que “faz com que o sol se levante sobre os bons e os maus, e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores” (Cf. Mt 5, 45); e sombra que acompanha o Filho.

            Conclui afirmando que o objetivo desta carta apostólica é aumentar o amor por este grande Santo, para nos sentirmos impelidos a implorar a sua intercessão e para imitarmos as suas virtudes e o seu desvelo. A missão específica dos Santos não é apenas a de conceder milagres e graças, mas de interceder por nós diante de Deus, como fez Abraão e Moisés, e como faz Jesus, “único mediador” (Cf. 1 Tm 2,5), que junto de Deus Pai é o nosso “advogado” (Cf. 1 Jo 2, 1); “vivo para sempre, a fim de interceder por nós” (Cf. Hb 7, 25; Rm 8,34). A vida dos Santos é uma prova concreta de que é possível viver o Evangelho. À semelhança de Jesus que disse: “Aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração” (Cf. Mt 11, 29), também os Santos são exemplos de vida que havemos de imitar. São Paulo exorta: “Rogo-vos, pois, que sejais meus imitadores” (Cf.1Cor 4, 16). O mesmo nos diz São José através do seu silêncio eloquente. Estimulado com o exemplo de tantos Santos e Santas diante dos olhos, Santo Agostinho interrogava-se: “Então não poderás fazer o que estes e estas fizeram?” E, assim, chegou à conversão definitiva exclamando: “Tarde vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei!”.

            Este resumo foi elaborado para ser utilizado como colocações para exercícios espirituais favorecendo um conhecimento da carta apostólica e ao mesmo tempo trazendo inúmeras referências bíblicas para os momentos de leitura ou contemplação orante. “Ide a José” é o que queremos, descobrindo que todos nós, de algum modo, somos chamados a ser sombra do Pai. Que procuremos imitar as virtudes de São José num processo permanente de tornarmo-nos pais, isto é, assumir a responsabilidade pela vida do outro que foi-nos confiado. Invoquemos a São José para que ajude-nos a amar com coração de pai.




Pe. José Antonio Boareto

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