A LEITURA FUNDAMENTALISTA DA BÍBLIA

A LEITURA FUNDAMENTALISTA DA BÍBLIA

POSTADO EM 09 de Setembro de 2020

A leitura fundamentalista da Bíblia

Em 1993, a Pontifícia Comissão Bíblica, escreveu um documento intitulado “Como interpretar a Bíblia na Igreja”. Este estudo era uma orientação aos exegetas que utilizam o método histórico-crítico no modo de interpretar os textos bíblicos. O documento é denso, com fundamentação científica, traz uma reflexão considerando o processo histórico de interpretação da Bíblia na Igreja considerando o seu desenvolvimento a partir dos magistérios de Leão XIII a Pio XI, e também, demonstra o empenho que fez o Concílio Vaticano II, sobretudo, no que diz respeito à relação entre fé e cultura e o auxílio das ciências para a própria exegese.

Na primeira parte do documento após comentar sobre as abordagens de interpretação utilizadas pelos exegetas, faz menção a leitura fundamentalista. Diz a Comissão: “A leitura fundamentalista parte do princípio de que a Bíblia, sendo Palavra de Deus inspirada e isenta de erro, deve ser lida e interpretada literalmente em todos os seus detalhes”. Por “interpretação literal” entende uma interpretação literalista que não reconhece o esforço de compreensão da Bíblia que leve em conta seu crescimento histórico e seu desenvolvimento.

A Comissão traz informações como fatos históricos que explicam a origem da leitura fundamentalista, diz: “A leitura fundamentalista teve sua origem na época da Reforma, com uma preocupação de fidelidade ao sentido literal da Escritura. (...) “O termo fundamentalista é ligado diretamente ao Congresso Bíblico Americano realizado em Niagara. Estado de Nova York, em 1895”. Neste congresso os exegetas protestantes conservadores definiram cinco pontos de fundamentalismo.

Estes cinco pontos de fundamentalismo, são assim compreendidos, diz o texto da Comissão: “a inerrância verbal da Escritura, a divindade de Cristo, seu nascimento virginal, a doutrina da expiação vicária e a ressurreição corporal quando da segunda vinda de Cristo”. Afirma a Comissão: “Se bem que o fundamentalismo tenha razão em insistir sobre a inspiração divina da Bíblia, a inerrância da Palavra de Deus e as outras verdades bíblicas inclusas nos cinco pontos fundamentais, sua maneira de apresentar essas verdades está enraizada em uma ideologia que não é bíblica, apesar do que dizem seus representantes”.



                                                                                                                                                Para a Comissão:

O problema de base dessa leitura fundamentalista é que recusando de levar em consideração o caráter histórico da revelação bíblica, ela se torna incapaz de aceitar plenamente a verdade da própria Encarnação. O fundamentalismo foge da estreita relação do divino e do humano no relacionamento com Deus. Ele se recusa em admitir que a Palavra de Deus inspirada foi expressa em linguagem humana e que ela foi redigida, sob a inspiração divina, por autores humanos cujas capacidades e recursos eram limitados. Por essa razão, ele tende a tratar o texto bíblico como se ele tivesse sido ditado palavra por palavra pelo Espírito e não chega a reconhecer que a Palavra de Deus foi formulada em uma linguagem e uma fraseologia condicionadas por uma outra época. Ele não dá atenção às formas literárias e às maneiras humanas de pensar presentes nos textos bíblicos, muitos dos quais são fruto de uma elaboração que se estendeu por longos períodos de tempo e leva a marca de situações históricas muito diversas.

Diz ainda a mesma Comissão:

Enfim, em sua adesão ao princípio do “sola Scriptura”, o fundamentalismo separa a interpretação da Bíblia da Tradição guiada pelo Espírito, que se desenvolve autenticamente em ligação com a Escritura no seio da comunidade de fé. Falta-lhe entender que o Novo Testamento tomou forma no interior da Igreja cristã e que ele é Escritura Santa desta Igreja, cuja existência precedeu a composição de seus textos. Assim, o fundamentalismo é muitas vezes anti-eclesial; ele considera negligenciáveis os credos, os dogmas e as práticas litúrgicas que se tornam parte da tradição eclesiástica, como também a função de ensinamento da própria Igreja. Ele se apresenta como uma forma de interpretação privada, que não reconhece que a Igreja é fundada sobre a Bíblia e tira sua vida e sua inspiração das Escrituras.

Por fim, ensina a Comissão que a “(...) abordagem fundamentalista é perigosa, pois ela é atraente para as pessoas que procuram respostas bíblicas para seus problemas da vida. Ela pode enganá-las oferecendo-lhes interpretações piedosas mas ilusórias, ao invés de lhes dizer que a Bíblia não contém necessariamente uma resposta imediata a cada um desses problemas”. Diz ainda: “O fundamentalismo convida, sem dizê-lo, a uma forma de suicídio do pensamento. Ele coloca na vida uma falsa certeza, pois ele confunde inconscientemente as limitações humanas da mensagem bíblica com a substância divina dessa mensagem”.

Precisamos aprofundar o nosso conhecimento conforme o ensinamento da Igreja. E isto é considerar, que a Bíblia não é simplesmente um conjunto de documentos históricos, mas Palavra de Deus que se dirige a Igreja ao mundo inteiro no tempo presente. Que possamos promover o “verdadeiro respeito pela Escritura inspirada”, reconhecendo que se “exige que sejam realizados todos os esforços necessários para que se possa compreender bem seu sentido”.

Diante da emergência de grupos católicos que utilizam uma abordagem fundamentalista em sua interpretação da Bíblia, faz-se necessário estudar com “atenção”, isto é, com dedicação, conforme o entendimento da filósofa Simone Weil, para que cada vez mais compreendamos que embora a interpretação da Bíblia na vida da Igreja seja tarefa do exegeta, não lhes pertence em absoluto, pois essa interpretação apresenta aspectos que vão além da análise científica dos textos, e que exigem a exegese em relação com a atualização pastoral e a inculturação da Palavra de Deus, como também a lectio divina e sua relação com o movimento ecumênico.

Pe. José Antonio Boareto

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