O Advento do Reino

O Advento do Reino

POSTADO EM 08 de Dezembro de 2018

                      O advento do Reino

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A Liturgia católica convida-nos a celebrar neste tempo o advento do

nascimento de Jesus. A Liturgia da Palavra faz menção em seus textos à espera

pelo Messias prometido do Antigo Testamento como também ao sentido da

Parusia, isto é, a volta gloriosa do Senhor. Os evangelhos nos convidam à

conversão, por isso, os textos irão falar de ouvir a Palavra e colocar em prática

semelhante ao homem prudente que construiu sua casa na rocha e ainda trazer

textos que falem da cura da cegueira por Jesus.

É tempo de mudar de vida e conversão praticando a Palavra e deixando

a cegueira para enxergar a luz e contemplá-la, pois o Senhor é nossa luz e

salvação. Em tempos de consumismo como o nosso, conseguir resgatar o

sentido divino e simples do mistério da Encarnação se torna cada vez mais difícil

diante da ilusão do natal mágico oferecido pela cultura secular.

Para nós ocidentais, as coisas são compreendidas a partir da dicotomia.

Separamos fé da vida, corpo da alma, céu da terra, mundo físico do mundo

espiritual, bem do mal e neste modo de entender as coisas pela separação não

conseguimos reconhecer o quanto tudo está interligado e devemos enxergar a

partir da unidade, isto é, a partir daquilo que está junto e não dividido.

O ser humano é uma unidade numa pluralidade e estamos interligados

por diversas dimensões. Para referir-se a essa unidade integradora do ser

humano a antropologia hebraica usa a palavra “leb” que significa centro da vida

ou coração.

Para o hebreu a vida humana é feita das interligações entre si e com os

outros e com o Outro e toda sua Criação. Ter fé é viver da graça, pois quem ama

ao Senhor de toda tua alma, entendimento, forças e só para Ele vive e

conseqüentemente para o próximo esse desfruta a vida como dom divino.

O ser humano vive de todo coração para Deus e ao próximo. A vida a

partir da fé é maravilha a ser contemplada apesar dos sofrimentos que o ser

humano deve suportar. O livre-arbítrio é um modo próprio de saborear a liberdade que é concedida pelo próprio Senhor. Entretanto, a verdadeira
liberdade consiste em viver a partir dos dez mandamentos.
Reconhecendo a centralidade da fé para o hebreu a partir da sua decisão
livre e por amor para viver para o Senhor e para o próximo é que voltamos a
nossa indagação acerca da nossa perspectiva ocidental de compreender a
realidade.
Estamos nos esvaziando de espiritualidade e mesmo de fé embora
vejamos crescer o número de igrejas cristãs e ou ainda surgirem inúmeros novos
movimentos religiosos. Devido a essa leitura dicotômica da realidade em que
separamos as coisas também o fazemos em relação à espiritualidade-fé com a
religião.
Observamos este vazio em nossa Igreja Católica. Cresce cada vez o
número de grupos e movimentos e ou mesmo vemos nossas igrejas cheias de
pessoas buscando soluções imediatas e emergentes e não mais uma busca de
sentido que os preencha de modo mais profundo.
A busca religiosa deu vez a um suprir necessidades que muitas vezes
psicológicas de ordem material. Uma inquietação mais profunda de buscar saciar
a sede numa água que quem beber não terá mais sede não parece ser atraente,
sobretudo, do ponto de vista do mercado concorrente da fé.
É bom deixar as pessoas com sede, pois assim podem oferecer a cada
momento novidades religiosas para vivenciar a experiência religiosa que é cada
vez mais do indivíduo e não mais da comunidade.
Infelizmente a busca transcendente se torna cada vez mais imanente e
intra-mundano apenas. Em nome de Deus se oferecem novidades como novos
produtos a serem lançados em caráter de mudança perpétua imitando assim o
modo de funcionamento do sistema de mercado atual.
É mais fácil e também atrai melhor clientela oferecer a cada semana e ou
mesmo mês uma novidade para atrair as pessoas e muitas vezes serem
submetidas à obediência quase servil dos líderes que à frente conduzem os
momentos como se fossem representantes diretos e únicos de Deus.  Em busca do céu que almejam separam corpo da alma e com isto
misturam a busca espiritual com material vivendo uma relação com Deus que é
marcada por retribuição e não gratuidade.
Nessa busca individual por Deus ou por suas bênçãos e graças uma
perspectiva mais profunda de compreensão da dignidade de ser filho ou filha de
Deus enquanto criados por amor e, portanto, amados e amadas por Ele não se
considera, pois sua condição humana não permite tal merecimento.
O amor de Deus é compreendido como mérito e não bondade e atitude
de amor do próprio Senhor a nós. Deste modo o vazio só tende a crescer, pois
se não consigo responder ao amor com que Deus me ama então Ele se afasta
de mim e me abandona. Se não faço o que os líderes me obrigam o Senhor não
vai me abençoar.
Este tipo de religiosidade atrai, pois se aproxima da lógica do capitalismo
no que vivenciamos no sistema de mercado, ou seja, oferecer novidades
permanentes e criar espírito de competição como também apresentar líderes
como estrelas ou modelos do espetáculo da fé.
Uma religião que se tornou um espetáculo atrai multidões, mas corre o
risco de não responder as grandes inquietações existenciais como também não
responder aos desafios que a própria realidade coloca para o cristão e a cristã.
Neste tipo de religiosidade do espetáculo as verdades da fé são
proclamadas numa perspectiva legalista e ou mesmo moralista e ainda
fundamentalista e sem a dimensão da caridade que é o modo próprio de Deus
revelar-se ao ser humano quem ele mesmo é, ou seja, Deus é Amor.
Fala-se muito de Deus que te ama e que se irá fazer uma experiência do
seu amor, entretanto, os holofotes do espetáculo só iluminam os pregadores e
outros considerados “iluminados”. Não há como negar que as pessoas
freqüentadoras desses momentos são em sua maioria pobres e experimentam
uma realidade concreta em suas vidas que se pretende ser transformada através
da ação divina e cremos que Deus não deixa de realizar sua ação em suas vidas.

Sabemos também que muitos grupos e movimentos que organizam
atividades assim estão também comprometidos com a vida dessas pessoas
através do oferecimento de cestas básicas e outras formas de solidariedade que
articulam.
Todavia um desafio que se coloca diante da proposta de uma religiosidade
de espetáculo da fé e é justamente a questão da dicotomia, pois a experiência
do indivíduo está desligada do seu compromisso de fé com a comunidade e a
proposta de ser cristão e cristã se desvincula duma perspectiva de viver o
batismo missionariamente.
O desafio que se coloca é o de que esses espetáculos da fé não passem
de uma roupagem nova através do uso das mídias e tecnologia dos grandes
shows servindo à uma pastoral de manutenção apenas.
Toda Igreja é missionária, e este apelo, se fez sentir na Conferência de
Aparecida e agora através do Papa Francisco que é ainda mais enfático em dizer
que devemos ser uma “Igreja em saída”. Que os grupos e movimentos que
buscam oferecer tantas novidades e que trabalham a partir da perspectiva do
que os holofotes iluminam ou de quem é iluminado não se esqueçam de tornar
visíveis os invisíveis da sociedade que nunca são lembrados nesses espaços da
fé.
E mais que torná-los visíveis não seja indiferente a eles e elas procurando
organizar gestos de solidariedade para com os pobres. Um grupo cristão que
não testemunha o seu amor a Cristo pelos pobres através da caridade não é
cristão exorta o Papa Francisco.
A missão primeira da Igreja é anunciar o Evangelho, tornar Jesus Cristo
conhecido, levar as pessoas a encontrarem o sentido mais profundo da sua
existência, isto é, revelar o ser humano ao próprio ser humano através de Jesus
Cristo que é Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem.
Depois a missão da Igreja é formar comunidades cristãs para que nesses
espaços através dos sacramentos possa ir crescendo permanente no amor de
Cristo. E assim como Jesus se demonstrou solidário a humanidade  manifestando historicamente seu amor preferencial pelos pobres assim também
a Igreja se faz solidária de todo gênero humano.
O desígnio de amor de Deus é que nós vivamos numa plena comunhão
mas sabemos que esta realidade nos aguarda no futuro na parusia quando Jesus
voltar gloriosamente, mas enquanto ela não chega vamos antecipar o que será
o céu vivendo ele aqui na terra.
Por isso neste tempo do advento nos preparemos para celebrar o Mistério
da Encarnação contemplando na face de um menino que nasceu de uma Virgem
o mistério do amor deste Deus que amou tanto esse mundo que enviou seu Filho
Único para salvar e não condenar este mundo.
A Igreja está no mundo e continua na história desde o nascimento desse
Menino Deus a proclamar o Evangelho, levar a Boa Nova aos pobres, libertando
os cativos das prisões, recuperando ao cego a vista, expulsando demônios e
curando os enfermos. A Igreja continua a anunciar a salvação e ao mesmo tempo
testemunha o amor de Cristo pelo mundo colocando-se a seu serviço.
O advento do Reino já acontece em nosso meio, o que se espera no futuro
começa a se viver hoje enquanto o aguardamos definitivamente. A comunhão
com Deus que é Uno e Trino junto com todos os filhos e filhas de Deus numa
comunhão plena de toda a Criação é o que acontecerá naquele dia glorioso, mas
a nós este julgamento que irá acontecer precede outro pessoal de cada um na
hora da morte que se compreende nas palavras de Jesus: “Em verdade vos digo
que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”.
(Mt 25,40).
Que a simplicidade deste Natal nos traga a contemplação do Mistério da
Encarnação de Deus que fez igual a nós em tudo exceto no pecado, o qual ao
se esvaziar da sua condição divina assumiu a condição humana e que a
encarnou também na realidade concreta daqueles que sofrem sem nenhuma
condição econômica e que tem sua dignidade ferida devido à situação de fome
e miséria. Ele nasceu e se fez pobre para nos enriquecer ensinando-nos que o
amor é gratuidade como dom que se oferece em solidariedade e que se faz
fraternidade, pois é salvação manifestada na história como libertação.

Pe. José Antônio Boareto

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